Uma casa imperfeita
- Alfa
- 13 de jun.
- 4 min de leitura
Foi em julho de 2021 que começou a aventura deste projeto. Um projeto que tem um lugar especial no nosso coração.
Traçámos um círculo no mapa: um raio de uma hora a partir de Lisboa. Encontrámos o terreno ideal no meio de uma floresta perto de Coruche. Era o sítio certo, com a escala certa, envolvido por pinheiros e sobreiros, e com uma pequena casa antiga, simples e bonita, construída para uma vida de subsistência. O lugar tinha alma. Começámos a sonhar.
Muitos dos projetos que nascem no nosso atelier começam com uma cena maravilhosa: uma família entra pela porta com os olhos a brilhar e o coração cheio de planos. Trazem consigo o entusiasmo de quem está prestes a transformar um sonho em realidade, o de construir a sua casa.
Embora a história fosse a mesma, havia agora uma diferença: neste caso, o cliente éramos nós.
Quando projetamos para outros, tentamos mergulhar no sonho do cliente e, através de vários passos e várias pequenas apresentações de desenvolvimento, vamos chegando a um resultado que é, inevitavelmente, um trabalho de grupo.
O cliente torna-se chave da solução.
Projetar sonhos exige que assim seja, de modo a que se chegue a um resultado que traduza exatamente aquilo que se idealizou – uma casa desta família e para esta família, e não para outra qualquer.
É exatamente isso que nos move na arquitectura: O SERVIÇO, o privilégio de podermos estar na posição de projetar o realizar de um sonho. Não só a parte romântica e artística, mas também a parte humana, a gestão das expectativas, a gestão emocional e a gestão financeira, todas tão importantes para o resultado final do projeto.
E agora? Como é que servimos a nós mesmos? Como é que fazemos a gestão da nossa própria insegurança? Como se apresenta um projeto a si mesmo? Como se discute, se corrige, se exige?
Pela primeira vez, vimo-nos diante de todas estas perguntas e incertezas. Foi preciso dar o primeiro passo sem saber onde íamos chegar, confiar no caminho antes de o entender, e procurar um destino que ainda não conhecíamos, mas que, de alguma forma, já nos chamava.
E assim começámos. E como em todos os caminhos, há sempre paragens:
Primeira Paragem: Contemplação do local, definição do programa, desenho do projeto.
A casa está localizada no meio de uma floresta de pinheiros e sobreiros perto de Coruche. Trata-se de uma casa vernacular tradicional ribatejana construída na primeira metade do Século XX, para alojar uma família que se ocupava da agricultura de subsistência.
A casa, de caráter simples e humilde, cumpre com a forma e função das casas tradicionais da época e da zona: paredes em tijolo burro, cobertura em madeira, argamassas de cal. Uma casa, quatro quartos, uma casa de forno para fazer o pão e um poço. A sua presença discreta na paisagem chamava-nos silenciosamente.
O projeto assentou na sustentabilidade, entendida não como discurso, mas como prática real: conservar o existente, intervir com discrição, escolher materiais honestos, duráveis, naturais, locais. Cortiça como isolamento, cal nas argamassas, estrutura de madeira.Um projeto sem pretensão de se exibir, onde todas as opções tomadas tiveram como preocupação principal a eficiência energética, a eficiência de recursos, e a seleção de materiais contemporâneos seguindo a lógica das opções do passado. A cobertura em chapa ondulada é um exemplo disso, um material muitas vezes remetido para um subconsciente pobre e precário, utilizado aqui de forma elegante e coerente.
Segunda paragem: Concurso de construção e seleção do empreiteiro.
Lançámos o concurso de empreitada na primavera de 2022, após uma seleção cuidadosa de construtores locais. O cenário pós-confinamento, aliado à localização remota, revelou um mercado com resposta limitada. Após um ano e meio de espera, a escolha acabou por recair não no melhor, mas no único empreiteiro disponível.
Terceira paragem: Obra.
A obra começou, mas cedo se tornou claro que a equipa de construção não reunia as condições ideais. A equipa reduziu drasticamente, o ritmo desacelerou, e tornou-se evidente que o modelo teria de mudar. Desistir não era uma opção e, como acontece tantas vezes, é na adversidade que surgem os caminhos inesperados. Quando vemos que não conseguimos fazê-los sozinhos, pedimos ajuda.
Quarta paragem: Amizade.
Tomámos então a decisão de assumir parte do processo de forma mais direta. Pedimos ajuda à família e aos amigos. Em momentos-chave como o revestimento em cortiça, as carpintarias exteriores, a pintura, as plantações. Em todas estas etapas, juntámos o trabalho necessário a partilhas inesquecíveis, a serões animados, a celebrações da vida! E assim se abriu o caminho que estava por se definir no início.
Construímos uma casa para nós com os nossos amigos, com a nossa família.
É claro que, ao longo de todo este caminho, houve também pormenores que não ficaram à altura do nosso padrão. Há sempre problemas que surgem aqui e ali, e o resultado não é propriamente uma casa imaculada.
Este projeto foi um exercício de aprendizagem e humildade.
Aprendemos pela primeira vez a colocar-nos verdadeiramente no lugar do cliente: compreendemos de forma mais profunda as suas inquietações, vulnerabilidades, decisões difíceis. E isso, hoje, torna-nos profissionais mais atentos, mais empáticos, mais exigentes com o nosso próprio trabalho.
Ensinou-nos que a excelência não se mede apenas pela perfeição formal, mas pela integridade do processo. E que só quem já enfrentou estas situações pode verdadeiramente liderá-las com sensibilidade e rigor.
Agora que chegou o momento da sua conclusão, em que muitos o vão ver pela primeira vez, podemos dizer de peito cheio que nos orgulhamos imenso deste projeto.
Não é uma casa perfeita, mas é linda, é verdadeira, e feita à nossa imagem.
Mais fotografias do projecto aqui.
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